sexta-feira, 17 de maio de 2024

Ser ou não ser, eis a questão


Fig. 1 - Senhora de pezinhos. Ana das Peles (1869-1945). Colecção do autor.

Preâmbulo
A inventariação e catalogação de Bonecos de Estremoz são uma tarefa com que se confronta o investigador, a qual exige precisão e rigor, para que a figuras morfologicamente distintas não corresponda uma mesma designação, o que constituiria um erro crasso.
Uma nomenclatura precisa e rigorosa
A barrística popular de Estremoz é diversificada sob múltiplos aspectos e integra um número considerável de figuras.
A cada uma delas foi atribuído um nome, consagrado pelo uso e transmitido pela tradição. O conjunto dessas denominações constitui aquilo que é designado por “Nomenclatura dos Bonecos de Estremoz”.
Como qualquer outra nomenclatura é indispensável que seja precisa e rigorosa. Deste modo, não é aceitável que a mesma designação possa ser atribuída a figuras com morfologias distintas, cujas diferenças pouco acentuadas ainda que significativas, podem escapar à simples observação de um observador menos atento.
Mudança de paradigma
No decurso da modelação é legítimo que cada barrista interprete uma dada figura à sua maneira, introduzindo-lhe marcas identitárias próprias, reveladoras de que aquela peça é obra sua e de mais ninguém.
A diferença nas marcas identitárias de dois exemplares da mesma figura, confeccionados por barristas diferentes, não implica que esses dois exemplares tenham designações distintas, já que a figura é a mesma, os intérpretes é que foram diferentes.
Todavia, a diferença nas marcas identitárias de dois exemplares da mesma figura pode ser mais profunda. Acontece que cada figura tem atributos que devem estar sempre presentes e não podem ser suprimidos ou modificados. Quando tal acontece, estamos perante uma mudança de paradigma e deixamos de estar em presença de uma figura para estarmos em presença de outra. Ora, o rigor da nomenclatura exige que a correspondência entre figuras e suas designações seja biunívoca. Daí que se torne imperativo arranjar designações distintas para duas figuras que difiram pelo menos num atributo.

Fig. 2 - Senhora de sapatinhos. Sabina da Conceição (1921-2005). Colecção do autor.

Caso em estudo: a Senhora de pezinhos
Existe na barrística popular de Estremoz, uma figura singular conhecida por “Senhora de pezinhos” (Fig. 1) que goza de dois atributos:
1.º - Ter ambas as mãos assente frontalmente nas pernas e abaixo da anca;
2.º - Prescindir de base, dado o seu assentamento ser feito por apoio nos pezinhos (que espreitam por detrás da orla inferior frontal do vestido/saia) e na orla inferior posterior daquela peça de vestuário.
A forma de assentamento é conseguida, modelando a saia/vestido mais curta(o) à frente que atrás. Seguidamente, os “pezinhos” são modelados a partir de um pequeno rolo cilíndrico de barro, que é tornado pontiagudo numa extremidade e espalmado na outra. Esta última extremidade é então colada no interior da orla inferior frontal do vestido, de modo que o assentamento à frente se verifique apenas na ponta dos “pezinhos”, simulando um sapato de bico como se usava na época. Tal assentamento nos “pezinhos” confere elegância ao modelo.
As origens históricas da Senhora de pezinhos remontam aos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX. Conheço exemplares das oficinas de Estremoz dessa época, bem como aqueles que foram modelados sucessivamente por Ana da Peles (1869-1945), Mariano da Conceição (1903-1959), Liberdade da Conceição (1913-1990), José Moreira (1926-1991), Maria Luísa da Conceição (1934-2015) e Irmãs Flores (1957,1958 -  ).
Conheço dois exemplares de figuras de Sabina da Conceição (1921-2005), uma das quais é a da Fig.2, nas quais o modo de assentamento viola o segundo dos atributos referidos, já que o assentamento frontal não se verifica na parte posterior dos “pezinhos”, mas sim numa certa porção de “sapatinhos”, pelo que nesse aspecto, esta última figura é morfologicamente diferente da apresentada na Fig.1. Em termos de nomenclatura é incorrecto atribuir-lhe a mesma designação.
Conheço ainda um exemplar de Mário Lagartinho (1935-2016) (Fig.3), na qual a figura assenta numa certa porção de “sapatinhos” e por sua vez, está assente numa base. Também esta figura é morfologicamente diferente da mostrada na Fig.1, pelo que em termos de nomenclatura não é igualmente correcto atribuir-lhe a mesma designação.


Fig. 3 - Senhora de sapatinhos com base. Mário Lagartinho (1935-2016).
Museu Municipal de Estremoz.
Que fazer?
Face ao exposto há que arranjar designações diferentes para cada uma das peças. A minha proposta é serem utilizadas as designações seguintes:
Fig. 1 – Senhora de pezinhos
Fig. 2 – Senhora de sapatinhos (Dama)
Fig. 3 – Senhora de sapatinhos com base (Dama com base)
Nas designações anteriores, as que figuram entre parêntesis são designações alternativas.
Julgo que com a minha proposta fica resolvido um problema que seguramente, tem mais de 50 anos. Parafraseando Hamlet, personagem de Shakespeare, sou levado a dizer:
- “Ser ou não ser, eis a questão.”
Publicado inicialmente em 9 de Setembro de 2020

quinta-feira, 16 de maio de 2024

As Virtudes nos paineis azulejares da Igreja Matriz de Moura


PRUDÊNCIA

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Paineis de azulejos do séc. XVII. Igreja Matriz de São João Baptista,
Moura. Fotografia (1960-1970) de João Miguel dos Santos Simões
(1907-1972), pertencente ao Arquivo Digital da Biblioteca de Arte da
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

 
A Igreja Matriz de São João Baptista, de Moura, data do início do século XVI, já que foi em 1502 que D. Manuel I mandou edificar de raiz um novo templo, cujo arquitecto se desconhece, mas cuja direcção de obras foi de mestre Cristóvão de Almeida.
A capela-mor e as duas capelas colaterais encontram-se decoradas com azulejos polícromos de manufactura seiscentista, tendo o revestimento azulejar sido patrocinado por Rui Lourenço da Silva, fidalgo da casa de D. João IV, a quem foi doada em 1650 por alvará régio.
O revestimento azulejar inclui painéis alusivos às virtudes cardinais e às virtudes teologais.
Para a Igreja Católica, a virtude é uma qualidade moral que induz uma pessoa a praticar o bem, existindo uma vasta gama de virtudes derivadas da razão e da fé humanas. Estas virtudes humanas regulam as paixões e a conduta moral, sendo as mais importantes delas, as quatro virtudes cardinais:
- A Prudência, que ajusta a razão, de modo que esta possa distinguir em quaisquer circunstâncias o verdadeiro bem, assim como a escolher os meios legítimos para o atingir;
- A Justiça, que é uma inalterável e forte intenção de dar aos outros o que lhes é devido;
- A Fortaleza que assevera a firmeza nas dificuldades e a insistência na procura do bem;
- A Temperança que afrouxa a atracção dos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e faculta o equilíbrio no uso dos bens criados.
Para a Igreja Católica, o alcance da plenitude das virtudes humanas, exige que elas sejam vivificadas e animadas por virtudes que têm como origem, motivo e objecto imediato o próprio Deus. São as três virtudes teologais:
- A , através da qual os cristãos crêem em Deus, nas revelações divinas e nos ensinamentos da Igreja;
- A Esperança, por meio da qual, os crentes, aguardam a vida eterna e o Reino de Deus;
- A Caridade, através da qual devemos amar o próximo como a nós próprios.

Publicado pela 1ª vez em 7 de Março de 2012

BIBLIOGRAFIA
- Catecismo da Igreja Católica (http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html)
- IGESPAR
(http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/70424/)

JUSTIÇA

FORTALEZA

TEMPERANÇA


ESPERANÇA

CARIDADE

quarta-feira, 15 de maio de 2024

A Eucaristia no Azulejo Português


Alegoria Eucarística (1630-1650). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Igreja da Assunção da Atalaia, concelho de Vila Nova da Barquinha.

A Eucaristia ou Comunhão é um dos sete sacramentos da Igreja Católica e consiste numa celebração em memória da morte e ressurreição de Jesus Cristo. É um sacramento referido em vários Evangelhos:
São Lucas, 22
14. Quando chegou a hora, Jesus pôs-Se à mesa com os Apóstolos.
15. E disse: “Desejei muito comer convosco esta ceia pascal, antes de sofrer.
16. Pois digo-vos: nunca mais a comerei, até que ela se realize no Reino de Deus”.
17. Então Jesus tomou o cálice, agradeceu a Deus e disse: “Tomai e reparti entre vós; 18. pois Eu vos digo que nunca mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus”.
19. A seguir, Jesus tomou um pão, agradeceu a Deus, partiu-o e distribuiu-lho, dizendo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de Mim”.
20. Depois da ceia, Jesus fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vós.
São Mateus, 26
26. Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”.
27. Em seguida, tomou um cálice, deu graças e deu-lho, dizendo: “Bebei dele todos, 28. pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para a remissão dos pecados.
São Marcos, 14
22. Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: “Tomai, isto é o meu corpo”.
23. Em seguida, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos eles beberam.
24. E Jesus disse-lhes: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos.
25. Eu vos garanto: nunca mais beberei do fruto da videira, até ao dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
I Coríntios, 11
23. De facto, recebi pessoalmente do Senhor aquilo que vos transmiti: Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão
24. e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim”.
25. Do mesmo modo, depois da Ceia, tomou também o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que beberdes dele, fazei-o em memória de Mim”.
26. Portanto, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.
Através da Eucaristia, os católicos crêem receber o corpo de Jesus Cristo pela transubstanciação, na qual o pão e o vinho mantêm a mesma aparência, mas a sua substância modifica-se, passando a ser o próprio corpo e sangue de Jesus Cristo.
Na maioria dos painéis de azulejos retratando a alegoria eucarística, figura o Ostensório ou Custódia, peça de ourivesaria usada para expor solenemente a hóstia consagrada sobre o altar ou para a transportar solenemente em procissão.

Publicado inicialmente em 15 de outubro de 2012

Alegoria Eucarística (1650- 1675).Painel de azulejos (83 cm x 69 cm).
Autor desconhecido. Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Alegoria Eucarística (1650 - 1675). Painel de azulejos (95,5 cm x 96 cm).
Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Alegoria Eucarística (1660). Painel de azulejos (138,5 x 111 cm).
Autor desconhecido. Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Lovvado seia o Santicimo Sacramento, 1664. (Séc. XVII). Painel de azulejos.
Autor desconhecido. Fachada da Igreja Paroquial do Cercal, concelho de Azambuja. 

Alegoria Eucarística (1692). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Capela de S. Pedro, Vila Real de Santo António.

Alegoria Eucarística (1691-1703). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Arquidiocese de Évora.

Alegoria Eucarística (Séc. XVII). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Tecto da Igreja Paroquial do Cercal, concelho de Azambuja.

Alegoria Eucarística (Séc. XVII). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Assunção, Atalaia.  

Milagre da mula adorando a Eucaristia (3º quartel do Séc. XVIII).
Painel de azulejos (224 cm x 182 cm). Autor desconhecido. Arquidiocese de Évora. 

Alegoria Eucarística (1920). Painel de Azulejos da autoria de Jorge Colaço (1868-1942).
Igreja de Santo António dos Congregados, Porto.

Bendito E Louvado Seja O Santíssimo Sacramento Da Eucaristia.  Painel de azulejos (1929) da autoria
do aguarelista e ceramista Eduardo Leite, executados pela Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em
Lisboa. Fachada da Capela das Almas, situada no ângulo da Rua de Santa Catarina  com a Rua
Fernandes Tomás, Porto. 

Celebração da Eucaristia (1954). Painel de azulejos.
Largo de Santo António, Freguesia de Cabeça, Seia.

terça-feira, 14 de maio de 2024

ESTREMOZ - ROTA DO AZULEJO – Até que enfim|

 





Uma newsletter do Município de Estremoz, emitida hoje sob a epígrafe “ROTA DO AZULEJO” , dá conta que: "No intuito de divulgar o nosso património, o Município de Estremoz vai lançar um percurso cultural denominado "Rota do Azulejo", no dia 18 de maio (Dia Internacional dos Museus), através do qual se pretende potenciar o conhecimento e visibilidade do azulejo, mas também a sua fruição pela população e por quem nos visita".
A referida newsletter pode ser lida na integra aqui: https://www.cm-estremoz.pt/pagina/turismo/rota-do-azulejo
Congratulo-me com a iniciativa do actual executivo municipal, pela indiscutível importância de que se reveste. Trata-se de uma iniciativa cuja realização eu já sugerira em 2013, através de crónica publicada no jornal Brados do Alentejo, de 18 de Abril de 2013, sob a epígrafe “Estremoz - Rota do Azulejo” e cuja leitura integral pode ser feita aqui: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/04/estremoz-rota-do-azulejo.html
A minha sugestão não foi acolhida pelo executivo municipal de então, mas a intenção valeu a pena. Foi semente lançada à terra, que acabaria inescapavelmente por germinar. Parafraseando Luía Vaz de Camões, apraz-me concluir:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."
O Município de Estremoz e nós com ele, estamos todos de parabéns.


segunda-feira, 13 de maio de 2024

13 de Maio e Mestre Joaquim Rolo

 



A 13 de Maio de cada ano, a Igreja Católica comemora a 1ª aparição de Nossa Senhora aos 3 pastorinhos na Cova da Iria, no dia 13 de Maio de 1917, à qual se seguiriam nesse ano de 1917, outras aparições nos dias 13 de Junho, 13 de Julho, 19 de Agosto, 13 de Setembro e 13 de Outubro.
De acordo com a tradição mariana, nessas aparições, aquela que ficou conhecida por Nossa Senhora do Rosário de Fátima, foi portadora de importantes mensagens ao mundo e recomendou que os fiéis rezassem o Rosário. Este consiste na recitação seriada de orações com o auxílio de uma corrente com contas ou nós, que recebe o mesmo nome.
O Rosário que esteve na origem deste texto e que integra a minha colecção de arte pastoril, foi produzido por Mestre Joaquim Rolo (n. 1936), natural da Glória (Estremoz) e passo de imediato à sua descrição. É composto por:
- 53 CONTAS do tipo 1, em madeira, cada uma delas uma forma composta por um cilindro de pequena altura, com dois troncos de cone assentes em cada uma das bases. Em torno deste existem incisões rectilíneas e perpendiculares a cada uma das bases;
- 7 CONTAS DO TIPO 2, igualmente em madeira, cada uma delas uma forma composta por um cilindro, com dois cilindros de pequenas dimensões, assentes centradamente em cada uma das bases. Em torno do cilindro maior foram realizadas incisões, configurando um caule, paralelo às bases e ladeado em toda a sua extensão por pares de folhas geminadas. No contorno das bases do cilindro maior, foi efectuado um denteado miudinho;
- 1 CRUCIFIXO (1,5 x 7,8 x 0,5 cm), também em madeira, na qual está fixada com pregos minúsculos, uma imagem de Jesus Cristo, esculpido num único pedaço de madeira. A travessa superior mais curta da cruz, ostenta incisa, a inscrição “INRI”, acrónimo da frase latina: "Iēsus Nazarēnus, Rēx Iūdaeōrum", cuja tradução é "Jesus Nazareno Rei dos Judeus". No lado posterior da cruz, na zona de cruzamento das duas travessas, a inscrição incisa “JR”, que identifica o autor;
- 1 MEDALHA (5,5 x 0,5 m). Num dos lados da medalha, encontra-se esculpida em baixo relevo, a imagem da aparição de Nossa Senhora de Fátima aos 3 pastorinhos. No lado oposto e igualmente esculpida em baixo relevo, figura a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração, em meio corpo. A medalha apresenta 3 apêndices curvilíneos e perfurados, destinados a inserção de argolas;
- 4 ARGOLAS EM LATÃO, para ligação do crucifixo e da medalha, às contas;
- ARGOLAS EM ARAME DE FERRO, que asseguram a ligação entre as contas;
- PEQUENAS ARGOLAS DE ARAME DE FERRO, ligando as contas umas às outras.
A finalizar, direi que gosto muito do espécime aqui estudado, não só por ser uma criação de Mestre Joaquim Rolo, mas também por todo o simbolismo mariano que encerra em si.

Publicado pela 1ª vez em 13 de Maio de 2023






sábado, 11 de maio de 2024

Atributos, pormenores, estilo e liberdade cromática



Mariano da Conceição (1903-1959)

Prólogo
O presento texto visa clarificar e consolidar conceitos inerentes à Barrística Popular de Estremoz. Tem, pois uma função pedagógica. É ilustrado com imagens de 14 ceifeiras produzidas por 12 barristas, desde os anos 30 do séc. XX, até à actualidade.
A ausência de exemplares de alguns barristas, apenas é devida ao facto de até ao presente não me ter sido possível inclui-los na minha colecção. As aquisições têm ocorrido ao acaso, fruto de circunstâncias e oportunidades. A ausência de exemplares de alguns barristas não significa, de modo algum, um juízo de valor sobre o trabalho dos “ausentes”. É sabido que como coleccionador e investigador da Barrística Popular de Estremoz, tenho dado provas de apreciar o trabalho e a matriz identitária do trabalho de cada um e assim continuará a ser.
Atributos
Na Barrística Popular de Estremoz, cada um dos chamados “Bonecos da Tradição”, goza de determinados atributos. Estes não são mais que as particularidades invariantes que um barrista deve ter em conta na produção de cada uma dessas figuras. Essas particularidades estão associadas a cada uma dessas figuras e ajudam a identificá-las.
Pormenores
Para além das particularidades invariantes atrás referidas, existem outras particularidades variáveis (pormenores) cuja inclusão na manufactura de uma figura, depende do livro arbítrio do barrista.
Estilo
O estilo é a maneira como cada barrista se exprime, fruto do seu modo próprio de observar e interpretar o mundo que o cerca, revelando a sua individualidade através de marcas identitárias que lhe são próprias e que se repetem ao longo da sua produção. Depende de múltiplos factores, entre eles: o talento, a cultura artística, a criatividade e o brio profissional. Deste modo, como resultado da produção, podem resultar figuras mais simples (populares) ou mais elaboradas (eruditas).
A pluralidade de resultados distintos possíveis de obter na produção de uma figura, mesmo dos chamados “Bonecos da tradição”, é reveladora da riqueza da Barrística Popular de Estremoz.
Liberdade cromática
No século XXI surgiram barristas que não trilharam os caminhos habituais de aprendizagem: contexto oficinal e contexto familiar, que condicionam sempre a concepção, a modelação e a decoração. À semelhança do que já se passara com outros, como foi o caso de Sabina da Conceição Santos (1921-2005) e de Mário Lagartinho (1935-2016) que aprenderam por autoformação, o mesmo se veio a verificar com outros como: João Fortio (1951- ), Rui Barradas (1953- ), Carlos Alves (1958- ) e Jorge Carrapiço (1968- ). Por outro lado, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte em Estremoz, teve lugar em 2019 um Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, orientado tecnicamente pelo barrista Jorge da Conceição (1963- ). Aqui os formandos aprenderam e aplicaram os fundamentos da modelação e da decoração para virem a aplicar na sua actividade como barristas, sem a preocupação da obrigatoriedade de ter que seguir os traços identitários do formador ou de qualquer outro barrista, nomeadamente no que respeita a cores. Pelo contrário, ficaram com a consciência de que deviam procurar duma forma incessante o seu próprio caminho e a sua própria matriz identitária.
Epílogo
A Barrística Popular de Estremoz quer-se viva, pelo que deve reflectir os anseios e a sensibilidade dos seus criadores, para além dos contextos de produção ou inerentes ao tema abordado, mas sempre com integral respeito pelo modo de produção e pela estética dos Bonecos de Estremoz.
A Barrística Popular de Estremoz não se pode limitar a ser uma linha de montagem e de reprodução dos modelos criados pelos mestres e pelas mestras. Se o fosse, estaria embalsamada no tempo e seria merecedora de um funeral condigno.
É preciso perceber de vez que a Barrística Popular de Estremoz não é como o Pai-nosso que só pode ser dito de uma maneira.



Sabina da Conceição Santos (1921-2005)


Sabina da Conceição Santos (1921-2005)

Liberdade da Conceição (1913-1990)

José Moreira (1926-1991)

José Moreira (1926-1991)

Fátima Estróia (1948-   )


Irmãs Flores (1957, 1958 -    )

Quirina Marmelo (1922-2009)

Isabel Catarrilhas Pires (1955 -  )

Carlos Alberto Alves (1958 - )

Inocência Lopes (1973 -    )

Ana Catarina Grilo (1974 -   )

Joana Santos (1978 - )

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O avental da mulher portuguesa


MINHO
Minhotas. Ilustração de Alfredo Morais (1872-1971).
Almanaque DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1954.

O avental é uma peça de vestuário muito importante que integra o traje popular da mulher portuguesa.
O avental de trabalho teve sempre por função proteger a roupa que cobria. Era usado desde o norte até ao sul do continente, do litoral até ao interior mais recôndito, à beira-mar, na borda de água, nas campinas, nas planícies, nas serranias e planaltos, bem como nas ilhas. Camponesas, pastoras, varinas, vindimadoras, mondadeiras, ceifeiras, todas elas usavam avental, com corte e padrões variáveis, normalmente de linho, de lã, de riscado ou de chita garrida, que acentuava a graciosidade da sua portadora.
Existia também o avental de festas e romarias, ricamente decorado, sobretudo no Minho que reforçava em quem o envergava a sua condição de mulher. Umas vezes guarnecido de rendas e fitas, outras vezes bordado a lã, a espiguilha ou a passamanaria.
As mulheres do povo, tanto no campo como na cidade, usavam também avental de lides domésticas no decurso da confecção de alimentos ou na limpeza da casa. No campo tanto era usado pela mulher do grande proprietário rural, como pelas serviçais, o mesmo se passando na cidade em casas abastadas, que por vezes tinham várias criadas. Os aventais que estas usavam, salientavam sempre a sua condição de serviçal, com folhos e rendas que eram usados sobretudo por quem ia atender pessoas à porta da rua. Deste modo, o avental usado pelas mulheres duma casa, tinha uma relação directa com a sua hierarquia naquela casa e na escala social.
Quando se gastavam devido ao uso, os aventais eram remendados ou reparados com um pedaço de tecido, nem sempre igual, porque muitas vezes não o havia. Em fim de vida, o avental podia ainda ser utilizado como rodilha ou retalhado para com os seus pedaços se confeccionarem taleigos para transportar os avios de casa.

Publicado inicialmente em 17 de Janeiro de 2012

TRÁS-OS-MONTES
Costumes de Trás-os-Montes.
 Bilhete-postal ilustrado reproduzindo aguarela de Alfredo Moraes /1872-1971).
Colecção “Províncias de Portugal”. Edição António Vieira, Lda., Lisboa, s.d.

DOURO
Figurino "Chula do Douro" do bailado " Passatempo"
pela Cª Portuguesa de Bailados Verde-Gaio.
Teatro Nacional D. Maria II (1941). Thomaz de Mello (1906-1990).
Aguarela s/ cartão (33x25,2 cm). Museu Nacional do Teatro, Lisboa.

 BEIRA LITORAL
Póvoa do Valado (1938). Alberto de Souza (1880-1961).
 Aguarela sobre papel (26x37cm). Museu de Aveiro.


BEIRA ALTA
Madona da Serra - Beira Alta (1939). Augusto Tavares (1908-1984).
 Óleo s/ madeira (97,5 x 99,5 cm). Museu do Chiado - MNAC, Lisboa.

BEIRA BAIXA
Mulher da Beira Baixa. Aguarela de Laura Costa.
 Bilhete-postal ilustrado, editado por OLIVA –
Máquinas de Costura de Portugal. 

ESTREMADURA
Alzira (1940). Alberto de Souza (1880-1961).
Aguarela sobre cartão (52x37 cm).
Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha. 
 
RIBATEJO
Mulher do Ribatejo. Aguarela de Laura Costa.
Bilhete-postal ilustrado, editado por OLIVA –
Máquinas de Costura de Portugal.  

 ALENTEJO
Ceifeira (1937).
Bilhete-postal ilustrado nº 33 dos CTT,
da "Série B" - Costumes Portugueses.
Reprodução de aguarela de Alberto de Souza (1880-1961).


ALGARVE
Camponesa (1937).
Bilhete-postal ilustrado nº 36 dos CTT,
 da "Série B" - Costumes Portugueses.
 Reprodução de aguarela de Alberto de Souza (1880-1961).